Já passou uma semana, já estou mais calma, já posso falar nisto.
Os tempos que passei lá fora a lutar pela vida com uma garrafa de Macieira – mentira, eu bebo vodka, desculpem – tornaram-me mais patriota. Sempre defendi o meu país de uma forma quase encantatória. Quem não era português até ficava com vontade de o ser.
Na quinta-feira passada tive vergonha de ser portuguesa. Tive vergonha do meu país. Tive vergonha dos portugueses.
O governo deu tolerância de ponto. Mal, no meu ponto de vista. O fim-de-semana já era suficientemente grande, não havia necessidade de mais uma tarde. E os portugueses que bramam diariamente contra o governo, Sócrates, políticos, política, deputados e tudo o que possa representar os poderes instituídos, alaram com uma pinta que era vê-los em filinha a caminho dos Allgarves.
Se protestam tanto contra as medidas do governo, deviam ter ficado a trabalhar. Isso sim, era uma estalada na corja!
Mas que raio de gente é esta? Acham que os protestos se devem ficar pelo Facebook? Pois, um clique aqui e uma petição ali é fácil, não é?
Tolerância de ponto não significa feriado. Não é obrigatoriedade de não se pôr os cotos no emprego. Tolerância de ponto significa não se ser penalizado, caso não se vá trabalhar.
Se TODOS tivessem ficado nos seus postos de trabalho mostravam aos governantes de que massa se faz um português. Era um protesto à séria, um exemplo de integridade e consciência da situação do país. Era um grito de revolta. Era um alerta vermelho para os senhores do FMI que vão decidir os nossos desígnios nos próximos anos. Era como afirmar ‘Nós não somos quem nos governa. Somos melhores’.
Mas na realidade não somos. Nós somos quem nos governa. Somos iguais. E temos aquilo que merecemos. Nem mais, nem menos.
A primeira vez que vi gente a viver nas ruas foi no início dos anos 90 (1991/92?) no Rio de Janeiro. Famílias inteiras nos passeios de Copacabana com lençóis, tachos e tudo o mais que se costuma ter debaixo de um tecto. Nunca tinha visto semelhante coisa, embora ouvisse falar da pobreza que se vivia naquele país. Foi nessa altura que decidi que não devia passar férias em países em que as pessoas viviam desta maneira enquanto eu me alambazava de caipirinhas numa esplanada mesmo ali ao lado.
Saliento que olhar de turista nunca é o mais acertado. É preciso andar nos transportes nas horas de ponta, frequentar os mercados e talhos diariamente e as tascas onde o povão almoça.
Por razões profissionais, por volta de 95/96 passei algum tempo da minha vida em Dublin, Irlanda. Na altura, falava-se do exemplo da Irlanda e de como tinham aplicado os fundos da então CEE. Na verdade, eu não conseguia ver nada. Mas lá pensei que os fundos tinham sido investidos no interior em indústrias ou agricultura, benefícios que não se sentiam na capital do país. Dublin era igualzinha a Lisboa, apenas mais cinzenta por causa do clima. Em termos de desenvolvimento não havia nada a salientar. Boa onda, muitos copos, comércio fechado às 17H00 e mais copos a seguir. Volto para Portugal e comento com algumas pessoas que me diziam que eu devia estar doida, que Irlanda era um exemplo. Acabei por concluir que tinha abusado do Black Bush e que afinal não tinha dado por nada daquilo que os jornais falavam.
Passados 10 anos vou trabalhar para Madrid, Espanha. Por essa época falava-se que este país era a 5ª maior economia do mundo. Andei de metro e de comboio à hora de ponta. Trabalhei numa empresa com 300 funcionários. Acordava por volta das 6h30 e vivia num hotel numa zona nobre da cidade, junto à Castellana. E garanto-vos que o que eu vi nas ruas de Madrid batia aos pontos a miséria que presenciei no calçadão do Rio de Janeiro. E, sim, estava na Europa, num suposto país do Primeiro Mundo e na tão afamada 5ª maior economia do mundo. Quando voltei a Portugal disse a várias pessoas o que tinha visto. Que achava que a tal grandiosa economia estava colada com cuspo e que tudo não passava de uma gigantesca operação de cosmética em que os espanhóis são imbatíveis. Só para dar um exemplo estúpido mas que diz muito: as espanholas andam sempre muito bem penteadas e vestidas, mas não tomam banho. Por fora a coisa até aparece apetecível, mas o cheiro a podre é perceptível a léguas. Desde que se esteja lá.
Não percebo nada de economia, nem de PIB’s, nem de taxas de crescimento. Sou uma total leiga na matéria. Mas sei o que vejo. E o que eu vejo em Portugal é que numa página de jornal lê-se que a taxa de desemprego entre os jovens ronda os 23% e na página seguinte também se lê que o concerto da Shakira está esgotado. Em que é que ficamos afinal?